Na eleição recente, a vitória de Trump pareceu uma decisão polarizada, mas na essência, tanto Trump quanto Kamala oferecem alternativas limitadas e insuficientes. Ambos representam visões que, apesar das diferenças aparentes, perpetuam uma mesma lógica de poder e estrutura econômica, segundo a qual as necessidades reais da maioria ficam em segundo plano. Em vez de promoverem uma mudança estrutural que melhore de fato a vida das pessoas, os dois candidatos sustentam uma dinâmica social que favorece os interesses do capital e deixa de lado as soluções para problemas essenciais, como desigualdade, bem-estar social e a preservação do planeta.
Trump e Kamala são ruins não pelas diferenças ideológicas que exibem, mas pela semelhança fundamental que compartilham: a defesa de um sistema obsoleto que falha em oferecer dignidade e felicidade para todos.
Trump e Kamala: Defensores de um Capitalismo Desvinculado das Necessidades Humanas
Apesar dos discursos divergentes, Trump e Kamala mantêm uma estrutura social e econômica que prioriza o capitalismo financeiro, na qual grandes acionistas exercem controle sobre as empresas e orientam as decisões em função do lucro imediato. Esse sistema é caracterizado pela desvinculação das corporações em relação às necessidades reais da sociedade – saúde, educação, moradia – e responde primariamente aos interesses financeiros de acionistas e investidores.
Vemos isso, por exemplo, nas indústrias farmacêuticas, em que o preço dos medicamentos essenciais é inflacionado para gerar retornos maiores aos acionistas, mesmo que isso signifique restringir o acesso de quem mais precisa. Da mesma forma, no setor imobiliário, empresas compram grandes porções de imóveis para controle de preço e maximização de lucros, enquanto milhões de pessoas enfrentam a crise da falta de moradia.
Trump e Kamala, com suas visões políticas, representam dois caminhos para perpetuar essa mesma estrutura. Ao invés de reorientar a economia para a resolução de problemas humanos essenciais, ambos preservam o modelo que gera lucro para poucos, deixando as reais necessidades humanas como secundárias, ignoradas pelas dinâmicas de mercado.
Enquanto o capitalismo financeiro seguir orientando as decisões econômicas, as corporações continuarão desconectadas da vida cotidiana e da dignidade das pessoas, e a estrutura social se manterá presa à lógica de acumulação e desigualdade.
O Trabalho Humano a Serviço do Lucro, Não da Vida
Na lógica capitalista financeira defendida por Trump e Kamala, o trabalho humano e a própria existência são recursos a serem explorados para maximizar o lucro, em vez de atender às necessidades fundamentais da sociedade. Empresas sob o controle de grandes acionistas e investidores organizam as tarefas e empregos de acordo com o retorno financeiro, sem considerar sua contribuição real para o bem-estar coletivo.
Essa lógica não só limita o papel do trabalho, mas também invade a vida privada, promovendo a financeirização em cada aspecto da existência. A oferta de microcréditos, por exemplo, incentiva as pessoas a se endividarem para consumir ou para atender a necessidades básicas, levando-as a uma dependência constante dos mecanismos financeiros. As pessoas, então, veem-se cada vez mais imersas em dívidas, forçadas a trabalhar incessantemente para pagá-las, perpetuando um ciclo de submissão financeira e exaustão.
Além disso, a lógica do desempenho – tão valorizada e imposta nesse sistema – faz com que todas as esferas da vida sejam vistas como arenas de produtividade. As pessoas são pressionadas a performar em todos os momentos, como se a realização de metas e o cumprimento de prazos fossem o propósito central de sua existência. Isso gera uma alienação profunda: em vez de viverem para experimentar o mundo e fortalecer suas relações, passam a se sentir presas em uma rotina de trabalho incessante, em que cada ação deve ser útil ou lucrativa.
Esse cenário leva a uma perda de sentido humano para a própria existência. Trabalha-se e vive-se para manter um sistema que exaure e aliena, desconectado das reais aspirações e necessidades humanas. O custo emocional é alto: a sensação de vazio e insatisfação se aprofunda, e o propósito da vida se dissolve em atividades que, no fundo, não agregam significado.
No fim, a estrutura financeira global sustentada por Trump e Kamala transforma o cotidiano em uma busca incessante por produtividade e lucro. A vida humana perde seu valor intrínseco, sendo reduzida a mais uma peça no mecanismo de acumulação capitalista – um mecanismo que aliena, exaure e conduz as pessoas a uma existência cada vez mais distante do que poderia ser plena e significativa.
Meritocracia e Direitos Civis: A Ilusão da Justiça dentro de um Sistema Desigual
Para aqueles que defendem a visão de Kamala, a meritocracia e a luta pelos direitos civis aparecem como soluções capazes de corrigir as injustiças do sistema. A meritocracia, em teoria, afirma que todos podem prosperar pelo próprio esforço. Mas, na prática, ela ignora as condições de partida desiguais que limitam o acesso dos mais pobres e da classe média às melhores posições na sociedade. Esse sistema naturaliza as desigualdades, tratando a hierarquia social como algo inevitável – afinal, para que existam líderes, é necessário haver liderados.
O resultado é a perpetuação de uma estrutura que privilegia uma pequena elite, enquanto a maioria permanece em posições subalternas, lutando para sobreviver. Sob o discurso da meritocracia, muitos são levados a acreditar que não há injustiça estrutural; apenas uma “falta de esforço” daqueles que não alcançam o sucesso. Essa lógica transforma as desigualdades sociais em uma questão de mérito individual, ocultando os mecanismos de exclusão que impedem qualquer ascensão significativa dos menos favorecidos.
A luta pelos direitos civis, embora tenha conseguido avanços importantes, muitas vezes ocorre de forma desconectada da transformação social global. Quando focada em garantir espaços de liderança a indivíduos de minorias, sem alterar as estruturas fundamentais do sistema, essa luta termina por empoderar alguns, mas perpetua a hierarquia social e a lógica de liderança e subordinação. Em vez de questionar a existência de posições superiores e inferiores, essa luta acaba apenas por rearranjar quem ocupa esses lugares, sem contestar a estrutura que os sustenta.
A crença de que o direito pode corrigir as injustiças do sistema, por sua vez, serve como um instrumento de perpetuação do próprio sistema capitalista. Em nome da inclusão, novos personagens são incorporados na lógica de produção de capital, adaptando-se à mesma estrutura que já exclui tantos outros. Em vez de questionar a estrutura econômica e social que gera a exclusão, o direito apenas legitima essa exclusão, incorporando-a de forma seletiva e simbólica.
Assim, o discurso meritocrático e a luta por direitos civis, quando desconectados de uma transformação profunda, acabam sendo mecanismos que reafirmam o sistema, perpetuando desigualdades e alienando a maioria. O resultado é um ciclo no qual o poder é redistribuído, mas a estrutura de exploração e hierarquia continua intacta, impedindo qualquer avanço real em direção a uma sociedade mais justa e igualitária.
Trump e a Ideologia da Desigualdade como Fundamento
Os simpatizantes de Trump enxergam a desigualdade não como um problema a ser resolvido, mas como uma condição natural e inevitável. Para eles, há nações, raças e religiões que se destacam e, portanto, deveriam ocupar posições superiores no cenário mundial. Nos Estados Unidos, essa visão valoriza os "verdadeiros" fundadores da nação – descendentes de colonizadores brancos, de tradição cristã e herdeiros da narrativa de grandeza norte-americana. Para esses grupos, apenas aqueles que representam a "essência" da nação merecem beneficiar-se politicamente dela, enquanto os “não fundadores” seriam cidadãos de segunda classe, ou até ameaças.
Dentro desse contexto, o discurso trumpista constrói inimigos: figuras que vêm de fora ou que não correspondem a esse ideal e que, ainda assim, avançam nas estruturas de poder e de liderança. Muitos dos que são alvo da retórica trumpista são os mesmos que ganham espaço na lógica de inclusão defendida por Kamala, como migrantes, minorias raciais, mulheres e indivíduos LGBTQIA+. A percepção de que o discurso do “outro lado” – que tem ocupado o poder nos últimos anos – não trouxe melhorias para a vida da maioria norte-americana fortalece o argumento de que algo precisa ser eliminado. Para os simpatizantes de Trump, a solução é clara: remover aqueles que consideram inimigos da verdadeira América.
Essa criação de inimigos é central para a ideologia trumpista e encontra um aliado poderoso na religião cristã evangélica dos Estados Unidos. Para muitos líderes e seguidores dessa fé, há o temor de que imigrantes, pessoas de outras religiões ou qualquer grupo que diverge dos valores tradicionais corrompam a essência do país. Esse medo é simbolizado pela chamada “invasão” de imigrantes, especialmente aqueles de origem latina e muçulmana, que são vistos como ameaças à identidade americana.
No Brasil, a retórica encontra paralelos significativos, com a figura do estrangeiro sendo substituída pelo “perigo comunista.” No lugar de temer uma invasão física, alimenta-se o temor de uma infiltração ideológica, em que o comunismo – percebido de forma ampla e muitas vezes distorcida – é visto como uma ameaça aos valores nacionais e familiares. A defesa da família tradicional, com papéis rígidos e centralizados na moralidade religiosa, é parte essencial dessa visão, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Trump e seus seguidores, assim, defendem uma estrutura hierárquica e desigual, na qual apenas os legítimos “herdeiros” da nação têm o direito de guiar o país. Para eles, a permanência e a pureza dessa estrutura exigem a constante criação de novos inimigos, responsáveis por desestabilizar a ordem que buscam preservar. Essa visão é alimentada por uma lógica de exclusão, que considera natural e justificável o domínio de certos grupos sobre outros, perpetuando uma visão de mundo profundamente arraigada na desigualdade e na divisão.
Ideologias que Perpetuam o Capitalismo
Tanto o discurso de Kamala quanto o de Trump, cada um a seu modo, reforçam a lógica capitalista, mantendo-a profundamente enraizada e intocada. Ao defender a inclusão meritocrática e a expansão dos direitos civis dentro do próprio sistema, Kamala reforça a estrutura econômica e social que mantém a desigualdade. A promessa de um acesso "igualitário" por meio do esforço individual e do direito civil é limitada e, na prática, apenas acomoda novas figuras na velha lógica de acumulação de capital, sem desafiar a base do sistema que perpetua a exploração.
O discurso de Trump, no entanto, parece se alinhar ainda mais com o atual momento histórico do capitalismo, que se desvincula cada vez mais do trabalho assalariado clássico e volta seu foco para a concentração intensiva de riquezas nas mãos de poucos. Com o avanço das plataformas digitais e da economia de aplicativos, o capitalismo tem agora a capacidade de mobilizar o trabalho de milhões de pessoas de forma gratuita ou uberizada. O trabalho assalariado perde centralidade, enquanto a concentração de capital e o controle das estruturas digitais se tornam o cerne da nova fase do capitalismo.
Nesse cenário, o discurso de Trump desvia a solidariedade que deveria existir entre trabalhadores para uma solidariedade familiar ou nacionalista. Em vez de se unirem para compreender as causas comuns de suas dificuldades – a concentração de riqueza e o controle dos recursos nas mãos de poucos – os trabalhadores são incentivados a buscar segurança em suas famílias, em sua nação e em valores conservadores. Essa solidariedade desviada impede que a realidade seja desnudada, que a alienação seja superada e que o sistema capitalista financeiro, que oprime e explora, seja de fato questionado.
O capitalismo financeiro se fortalece, pois, ao desviar as insatisfações para inimigos fabricados e ao consolidar uma hierarquia naturalizada, ele se mantém protegido da revolta. Trump e Kamala, com ideologias distintas, preservam, portanto, o mesmo sistema – um sistema que já não se baseia apenas na exploração do trabalho direto, mas na manipulação das lealdades e na mobilização das frustrações, garantindo a continuidade de um capitalismo excludente e opressivo.
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