Vi notícias na internet e ouvi de várias pessoas que o Presidente Jair Bolsonaro teria redigido um decreto para extinguir o Exame de Ordem. Como o graduado em direito não pode se inscrever na OAB sem a aprovação nesse exame, a questão interessa, sobretudo, aos que estudam ou estudaram Direito.
Vamos ao ponto inicial da questão: a Constituição Federal. O inciso XIII do artigo 5° afirma que o exercício de qualquer profissão é livre, mas acrescenta "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". A advocacia é uma profissão. Seu exercício é livre desde que a pessoa atenda a "qualificações profissionais" estabelecidas por lei.
A Lei 8.906/94, conhecida como Estatuto da Advocacia, determina, em seu artigo 3°, que apenas inscritos na OAB podem praticar atos de advocacia e serem chamados de "advogados". Em seguida, o artigo 8° traz os requisitos para uma pessoa se inscrever na OAB:
Vamos ao ponto inicial da questão: a Constituição Federal. O inciso XIII do artigo 5° afirma que o exercício de qualquer profissão é livre, mas acrescenta "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". A advocacia é uma profissão. Seu exercício é livre desde que a pessoa atenda a "qualificações profissionais" estabelecidas por lei.
A Lei 8.906/94, conhecida como Estatuto da Advocacia, determina, em seu artigo 3°, que apenas inscritos na OAB podem praticar atos de advocacia e serem chamados de "advogados". Em seguida, o artigo 8° traz os requisitos para uma pessoa se inscrever na OAB:
- capacidade civil;
- diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
- título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
- aprovação em Exame de Ordem;
- não exercer atividade incompatível com a advocacia;
- idoneidade moral;
- prestar compromisso perante o conselho.
Inexiste qualquer discussão a respeito da exigência de diploma de graduação em direito para a pessoa se inscrever na OAB e tornar-se advogada. Isso parece compatível com o texto constitucional, sendo uma qualificação indispensável para o exercício da profissão.
Há muito tempo discute-se a exigência de aprovação em Exame de Ordem. O raciocínio é simples: se uma pessoa passa na prova elaborada pela OAB, ela se qualificou? Em outras palavras, podemos considerar a aprovação no mencionado exame uma qualificação? Quem faz um curso de graduação em direito, nitidamente se qualifica. Muitos argumentam que o mesmo não poderia ser dito para quem apenas "passa" em um exame. A qualificação viria da graduação; o Exame apenas demonstraria uma qualificação.
Partindo dessa análise, surgiram algumas ações de inconstitucionalidade no STF. Pela lógica constitucional, bastaria demonstrar, via diploma, a graduação em direito para a pessoa ser qualificada para o exercício da profissão. Exigir a aprovação no Exame seria inconstitucional, pois isso não seria uma qualificação.
Em outubro de 2011, o STF rejeitou a lógica acima e, com repercussão geral, decidiu que era constitucional essa exigência do artigo 8° da Lei 8.906/94. Tal decisão esgotou a possibilidade de extinção do Exame de Ordem via ação judicial.
Restou, então, a opção de se alterar a lei. Vários projetos estão "engavetados" no Congresso. Destacamos um deles, apresentado pelo então deputado e hoje presidente, Jair Bolsonaro, que até hoje se manifesta contra o Exame. Trata-se de um projeto que possui apenas dois artigos, determinando a revogação do preceito legal que prevê o Exame de Ordem em seu artigo primeiro. Aliás, isso viola a Lei Complementar 95/98 que determina ser função do artigo primeiro resumir a lei e não prescrever condutas.
Aqui entra a notícia citada no início, indicando que Bolsonaro extinguiria o Exame de Ordem por meio de um decreto presidencial. Isso seria tecnicamente impossível, em virtude da Separação de Poderes. Uma vez que essa exigência está prevista em lei, só pode ser modificada por outra lei ou por ato que tenha força de lei.
Caso Bolsonaro venha a publicar um decreto dessa natureza, ele será inválido. Nesse sentido, cometeu erro técnico o blog Exame de Ordem ao afirmar: "se algo do gênero estivesse sendo urdido, não teria eficácia e nem vida longa". Na verdade, a medida poderia vir a ser eficaz: o decreto poderia ser respeitado pela OAB que aboliria o Exame de Ordem. Seu problema seria de outra natureza: por violar a hierarquia entre decreto e lei, seria, como dito, inválido. É erro técnico confundir validade com eficácia.
Para extinguir o Exame de Ordem sem depender da tramitação dos projetos de lei estacionados no Congresso, o presidente poderia recorrer a um outro instrumento: a medida provisória. Nos termos do artigo 62 da Constituição, compete ao Presidente, em casos de urgência e relevância, editar as medidas provisórias, "com força de lei". Ela teria, portanto, força para modificar outra lei.
Porém, surgiria outro problema: a medida provisória perde validade se não for convertida pelo Congresso em lei, no prazo máximo de 120 dias. As relações jurídicas sujeitas a essa medida provisória seriam disciplinadas por decreto legislativo, publicado exclusivamente pelo Congresso.
Desse modo, o que teríamos: Bolsonaro extinguiria o Exame de Ordem por Medida Provisória; o Congresso, que não votou projetos de lei fazendo o mesmo, tenderia a rejeitá-la e, por decreto-legislativo, poderia estabelecer que as inscrições na OAB feitas sem aprovação do Exame de Ordem fossem nulas.
Desse modo, a menos que haja uma articulação política mais consistente, não parece razoável supor que o Presidente consiga extinguir o Exame de Ordem, seja por decreto, seja por Medida Provisória.
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